Sugerir que a fuga da família real portuguesa para o Brasil em 1808 era um ato de covardia não parece ser um bom começo para uma tentativa de acordo comercial, mas a carta do Rei Adandozan para Dom João VI traz isso e mais um pouco.


Em 1810, os soberanos africanos dos reinos de Daomé e Ardra, localizados no atual Benim, disputavam o monopólio sobre o comércio de escravos na chamada Costa da Mina. Naquele momento, Portugal e Inglaterra assinavam um tratado que visava acabar com o tráfico intercontinental e a preocupação com os negócios fez os reis africanos enviarem emissários para o Brasil, com cartas e presentes.

“Adandozan se põe na posição de rei falando ao príncipe, portanto, hierarquicamente ele está acima de Dom João”, comenta a historiadora Mariza Soares.

“Começaram a chegar notícias de que Vossa Alteza real e Vossa soberana mãe, rainha de Portugal, se tinham retirado debaixo da Armada inglesa…”, diz o rei africano sobre a fuga dos portugueses frente a ameaça francesa. Em outro trecho, ele ironiza: “Pois eu cá na minha terra tenho pelejado
muitas guerras, meu irmão, as guerras para mim são divertimento”.

Adandozan envia, ainda, vários presentes como sandálias bordadas e panos tradicionais e diz que gostaria que “irmão se rebuçasse nos panos e saísse para passear”. Além disso, um trono de madeira, conhecido como zinkpo, que infelizmente foi perdido no incêndio do Museu Nacional, em 2018.

Contudo, a carta e os presentes não chegaram ao destinatário. O Conde dos Arcos não encaminhou o conteúdo, achando absurdas as palavras. “Ele começa a carta com pena de Dom João e termina com a bandeira cheia dos decapitados da guerra que moveu contra Ardra” cita Mariza Soares, para quem a correspondência não entregue não deixa de ser importante.

O rei Adandozan era considerado louco e foi protagonista de outras polêmicas, mas isso é conversa pra um outro dia.
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Texto e arte por @canuto_lion

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